quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Untitled Love Story

Foi andando pela rua assim andando se esforçando para se manter andando e em movimento e pra frente que pra frente é sempre um lugar melhor para se estar, ia pensando ela entre outras coisas que ia pensando enquanto ia andando sem perceber que já ia correndo.

E nem chegou a perceber, só percebeu que lhe faltava ar e foi a melhor sensação que tinha em horas, que tinha em dias, que tinha em meses. A sensação clara de que lhe faltava ar. Uma falta que ela conseguia sentir, explicar, pensar em sua solução, e saber onde exatamente no corpo aquilo estava.

Pela primeira vez em meses ela soube localizar uma sensação em seu corpo (naqueles pulmões pouco percebidos dos quais ela tinha agora não só orgulho como gratidão).

Porque se no início era uma língua na nuca, uma borboleta no estômago, um formigamento em partes que ela não sabia capazes de formigar, uma irradiação cada vez diferente, cada vez começando em um ponto e indo para outro cada vez diferente como diferente o lugar, a posição, o olho no olho, as palavras no ouvido, os cantos da casa, as receitas, os segredos, as conchas.

Se no início tudo isso... E era o que ela pensava do início, esse início ideal que ela nem lembrava que não era tão ideal assim, esse início de vida real. Não era ele que ela idealizava, nem ela. Era o início. E a foto, era o que achava ele. E ela não lembrava que desde o início houve aquela foto. Em preto e branco, é claro, por motivo de poesia.

E lá ela se viu. Se viu pelos olhos dele, e quem era ele mesmo? E com a foto ainda secando foi procurar o autor dela. Dela ela própria, que sentiu como se nascesse, ao menos uma parte de si, ao olhar aquele retrato que ela nem sabia que havia sido tirado. E o encontrou. Ele que, como pode-se deduzir de alguém que consegue ver algo na alma de outra pessoa, já a amava. E ela o amou, como teria amado de qualquer maneira ainda que demorando mais para perceber (o Chevete que ele dirigia não ajudava).

Mas ele nunca acreditou, desde o início, e aceitou a entrega dela achando – sabendo, diria ele – que ela amava a foto, que ela amava a si mesma na foto. E não ele. Mesmo ela sabendo que não. E sabendo que se a foto nunca mais fosse mencionada, ela só lembraria como aquele-objeto-maravilhoso-que-nos-uniu. E, meu-bem-poderia-ter-sido-uma-escova.

Claro está que a dúvida corroeu o pobre rapaz. (Caso não esteja, consideremos que a vida lhe dotou de uma capacidade de se considerar um personagem trágico e a vontade de agir como tal.) E a pobre moça de maneira ainda mais dolorosa, uma vez que a dúvida não era dela, ela só tinha certezas. E a partir daí, onde quer que tenha sido esse ponto em que eles não conseguiam mais ter momentos em que não pensavam em dúvidas ou certezas (palavras, afinal), ela parou de sentir em que lugar do corpo estava sentindo. Seria o corpo todo, ou o corpo nada, que corpo é esse que precisava daquela mão, daquela boca e onde estão, e onde está que está aqui do lado e tão longe e se não está aqui... Está na foto.

E agora ia andando sem perceber que ia correndo e com a foto na mão e só a foto mais nada nem chave nem celular, como se pra quê serviriam se sua vida perfeita estava se arruinando com aquela foto, naquela foto, e sem ele pra quê viver e sem viver para quê celular... E parou, recuperou o fôlego, sentiu os pulmões. E percebeu que passara a última meia hora formulando as frases mais ridiculamente dramáticas de sua curta existência. Melodramáticas, na verdade. E lembrou de todos os hábitos detestáveis que ambos cultivavam, desde o início, as piadas, a diferença notável no senso de humor de cada um, como ela odiava a mãe dele, desde o início. Nesse início que não era ideal, estava longe de ser. O sexo é que era melhor.

Parou então no meio da rua, adorando estar descabelada e ofegante e as pessoas olhando porque a leveza que lhe dava saber que não precisava se descabelar e ofegar (não nesse contexto, veja bem, que essas coisas podem ser maravilhosas) era de paz.

Rasgou a foto. Deixou em cima da mesa dele, picotada. Ao lado da porta, deixou suas malas e um casaco por cima: “meu-bem-você-me-trocou-por-uma-obsessão-e-agora-me-perdeu”. Ele chegou, a mala, a foto, e a amou como nunca, ou de uma forma um pouco diferente, naquele sentimento de quem não consegue falar o que realmente sente e o alívio, a satisfação, o prazer que é quando a outra pessoa advinha, e a amou como nunca sem nem pensar que gostava de falar “gostosa” e ela não reparou que nem pediu um tapinha na cara, e como ambos faziam isso desde que tinham descoberto o dirty talking com outras pessoas e como não haviam se deixado descobrir outras coisas e como dessa vez não foi uma fantasia que fez ele rasgar a calcinha dela, foi uma coisa que aconteceu como aconteceu ela ter adorado naquela adoração de quem quer quase chorar de tanta coisa transbordando e que por transbordamento consegue pagar o melhor boquete ever sem nenhuma baboseira freudiana de falo, poder e submissão, só duas pessoas que não querem negar que são uma da outra.










A mala, ao lado da porta, estava vazia.
E em alguma gaveta, escondida, uma cópia da foto.
Mas poderia ter sido uma escova.

Um comentário:

Festa Grog disse...

haha adorei!!!
confuso, porem claro.
poderia mesmo ser uma escova...