quinta-feira, 31 de maio de 2007

Músculo Oco

- Olá, pode entrar.
- Olá. É... Doutor? Eduardo.
- Não, não. Eduardo, só.
- Sim, claro.
- Por favor, queira se deitar.

Ficou reparando no teto descascado. Achou um descascado diferente. Ficou surpresa de achar um descascado bonito. Estava tentando se distrair para não ficar nervosa com as mãos dele passeando por seu corpo. Quer dizer, assim parece até erótico. Suas mãos passeando a menos de um centímetro do seu corpo. Ela não olhava, mas imaginava que ele estivesse de olhos fechados. Fechou os seus também. Sabia em que lugar as mãos dele estavam pelo estranho calor que emanavam. Ou era um calor que elas geravam nela? De qualquer maneira, o medo que sentia ao chegar estava passando. Quase não pensava no que já tinha ouvido falar sobre os procedimentos: era como se uma mão entrasse no seu corpo e retirasse algo. Ao final, a pele estaria intacta. E o lençol manchado de sangue.

- Você sabe por que veio aqui?
- Porque uma amiga havia comentado comigo sobre esse lugar.
- Sim, mas o motivo? O que você veio curar, você sabe?
- Sei... Quer dizer, não... Mas sei que há algo errado.
- Uhum. Procurou um médico?
- Procurei.
- E o diagnóstico?
- Depressão.

Ela sentiu quando as mãos dele se retiveram na altura de seu seio esquerdo. O calor aumentou. Primeiro na pele, e em seguida por dentro. Quente,quente,quente. Seucoraçãodisparou, espera! Seu coração. Era a temperatura dele aumentando, era lá que a mão estava. Tudo tão quente, tudo tão rápido, rápido, rápido, rápido: o coração é um músculo oco oco oco, localizado no meiodopeitodeslocadoligeeeiramente para a esquerda. Do tamanho de um... punho fechado.

E saiu. A mão saiu. Saiu? Mas se o punho estava fechado (estava fechado?), seu coração ainda estava lá? Estava. Sentiu. Batendo mais calmo, tão mais calmo. Não se lembrava mais dessa calma. Uma certa... paz. “Marina...”, ouviu seu nome. Ele a estava olhando no olho, e ela em paz. Mas não. Ela ainda estava deitada, e com os olhos fechados, e de repente se perguntou se seu coração havia jorrado sangue. Abriu. Os olhos. Se confirmou aquela sensação de... Agora, sim, ele a estava olhando no olho.

- Doutor...
- Eduardo, só.
- Qual foi o diagnóstico?
- ...Coração partido...
- E você me curou. (emocionada?)
- Eu não fiz nada. Você caiu no sono.
- Mas...

E a mão? E o punho fechado no coração? E aquele calor e a solução?

Olharam-se nos olhos. E o ao redor se calou.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Quase um filme



La voisine d'en face. Rome, 1995.

Tragédias Cariocas(?)

Rio, 19 de Maio de 2007
Hoje é sábado. Ele disse que talvez viesse, eu acreditei. De burra que sou. É óbvio que ele não vai deixar de sair com a mulher no sábado, jantar com o sogro, ir ao cinema, sei lá que merda que eles fazem, pra sair com a outra. Ou será que vai dar um jeito e vem? Onze da noite já.

Rio, 20 de Maio de 2007
Hoje ele veio. Pediu desculpas, trouxe presente, disse que era atrasado de dia das mães porque ainda ia ter um filho meu. Também quero ter um filho dele, só serve dele. Minha retribuição foi na cama, depois eu queria dormir abraçado, nunca dormiu comigo... Mas não podia, a mulher tinha alugado um DVD. Ele bem que queria ficar, claro. Quase chorou, tadinho. Mas a cachorra tá aí pra atrapalhar a vida...

Rio, 21 de Maio de 2007
Cansei disso. Cansei dessa vida. Hoje fiquei com saudade e fui ver ele no escritório. Qual é o problema nisso?! Pensei em, sei lá, a gente almoçar. Ou dar um beijinho no banheiro, até escondido aceitava. Não vejo o mal. O puto fingiu que não me viu, passou direto, quase correu! Agora me paga também. Amanhã vou na casa dele. Resolver com a frígida da mulher.