quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

E que dia lindo é aquele em que se descobre...

Clube da Esquina.

Um girassol da cor do seu cabelo
Lô e Márcio Borges


Vento solar, estrelas do mar
A terra azul da cor do seu vestido
Vento solar, estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo

Se eu cantar não chore não
É só poesia
Eu só preciso ter você
Por mais um dia
Ainda gosto de dançar
Bom dia
Como vai você? (2x)

Sol, girassol, vejo o vento solar
Você ainda quer morar comigo
Vento solar estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo

Se eu morrer não chore não
É só a lua
É seu vestido cor de maravilha nua
Ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem?
Ou será que ainda é tarde demais?

Se eu cantar não chore não
É só poesia
Eu só preciso ter você
Por mais um dia
Ainda gosto de dançar
Bom dia
Como vai você?
Você vem?
Será que é tarde demais?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

post scriptum

Você olha e ela tá ali dançando pra ela ou pra todo mundo ou pra alguém que não é você. Mas, cara, você tem que saber que é porque ela não sabe, entende? Ela não sabe olhar nos olhos e dançar pra quem ela quer dançar, porque ela vai tá se entregando. Porque ela leu em algum lugar que os olhos de alguém são sempre de um gnomo louco e desesperado que fica encolhido ali dentro, e ela não conhece o gnomo dela, cara. E ela morre de medo.

Rapaz, como tem medo essa daí. E é medo tanto que pra sair só de armadura, máscara, fantasia. Só você acha que não. Você olha e ela tá ali dançando e você achando nossa, que mulher madura e bem-resolvida, e adorando que tá na palma da mão dela. E ela põe mesmo a maior banca, entra na onda, versa sobre os mais variados assuntos, não bebe além da conta e essas coisas de quem acha que tem controle. Olha, que tem muitas assim e são umas filhas-da-puta, não tem como não ver. Mas essa... Dá pra ficar na dúvida, porque ela não parece querer ter ninguém na mão dela, não. Repara só. Ela pode até falar que sente o peso de um piano atrapalhando a liberdade dela, daquilo que ela leu de que tu te tornas responsável por aquilo que cativas. Mas ela deve tá é com medo do contato com a pele de quem é capaz de se envolver tanto assim. Vai que é contagioso.

Você olha e ela meio que te olha, você sente que ela te vê, que ela te despe inteiro ali numa conversa rápida numa cerveja no meio da rua. Mas ela não se deixou olhar em nenhum momento, cara, e isso é meio foda porque quase ninguém percebe. E as pessoas vão se apaixonando, e ela sempre se perguntando por quem diabos é essa paixão se ninguém conseguiu olhar pra ela e ver através de tantas camadas de um lance meio commedia dell’arte, saca? Ah, nem precisa sacar, ela fica com essa aura de difícil, metade dos caras se assusta e os que não se assustam são os que valem a pena, e aí ela foge. Mas se quem quebra a cara ou o coração é você, fica tranqüilo, que quem se fode é ela.

A parada, na verdade, é você decidir se vai ou fica. Porque decidir não é o forte dela, e ela vai te falar que tá em algum lugar entre fast as you can (e, cara, quem se identifica com Fiona Apple nunca é lá digno de muita confiança), entre isso e uma menina que precisa aprender a ser abraçada.

Mas, rapaz, quando ela fala isso você se derrete, né? E acredita, claro, porque dá pra ver que é verdade. Ou que ela acha que é verdade. Conselho pra te dar ninguém tem, provavelmente porque ninguém entende muito ela e nem vai querer botar a mão no fogo. Então você tá sozinho nessa, e decide pular fora. Mas é claro que querendo que ela de alguma forma te impeça, te peça pra ficar, te dê alguma garantia. E aí já é pedir demais, você tem que concordar. Não pela situação que ela tá ou algo assim, não é pra justificar a moça, não. É só que, porra, somos todos maiores de idade e vacinados, não é esse o lance? Então por enquanto, sei lá, cada um por si. O máximo que dá pra pedir é sinceridade, e nossa, pros tempos que a gente vive isso já é tanta coisa...

E aí, com essa quantidade de merda que eu falei (quanta viadagem, hein, cara?), a gente vê o que que dá pra tirar de bom. Caralho, por que a gente não gravou isso pra ouvir de novo amanhã? Transcrevia, virava um conto. Né, não, Neves? Traz mais dois! Porque amanhã eu vou negar que falei isso tudo, você sabe, e te falar pra calar a boca e aproveitar que ela é gostosa. Mas, meu caro, hoje eu te confesso que tá todo mundo aqui sozinho, e com medo, só querendo se deixar abraçar, e a máscara cair.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

já na lista

Todos os dias que depois vieram, eram tempo de doer. Miguilim tinha sido arrancado de uma porção de coisas, e estava no mesmo lugar. Quando chegava o poder de chorar, era até bom - enquanto estava chorando, parecia que a alma toda se sacudia, misturando ao vivo todas as lembranças, as mais novas e as muito antigas. Mas, no mais das horas, ele estava cansado. Cansado e como que assustado. Sufocado. Ele não era ele mesmo. Diante dele, as pessoas, as coisas, perdiam o peso de ser.

Manuelzão e Miguilim, João Guimarães Rosa

Desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas me sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só essa vontade quase simples de estender o braço pra tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nessa janela, já dissemos tudo o que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação, impressão, ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e com a ponta dos meus dedos tocar você, natural que seja assim: O toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora.

Anotações sobre um amor urbano, Caio Fernando Abreu

para a lista

- Deve haver muitas diferenças entre nós.
- Diferenças? E então? Se não houvesse diferenças nós seríamos uma pessoa só.

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A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste.

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Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.

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Mais tarde, no escritório, uma idéia indeterminada saltou-me na cabeça, esteve por lá um instante quebrando louça e deu o fora. Quando tentei agarrá-la ia longe.

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O que estou é velho. Cinqüenta anos pelo São Pedro. Cinqüenta anos perdidos, cinqüenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada.

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Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige.

São Bernardo, Graciliano Ramos

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

downtown

J. querida,

Você me pergunta como vai a vida, mas não conseguiria lhe escrever sobre isso. Só consigo pensar em como vai a Morte, como sinto Ela nem mais se esgueirando. Antes parecia que se escondia. Agora ando pelas ruas e A vejo estampada nos rostos medrosos, nos anúncios coloridos, e principalmente nas vitrines e em seus reflexos. A Morte tomou conta da cidade, tomou conta de todos nós. E hoje me tocou.

Andava pelo centro, bem perto daquela confeitaria da nossa adolescência. Por uns minutos, segundos talvez, nos vi ali. Eu, naquela paixão suada e silenciosa. Você, num daqueles seus amores que duravam uma matiné e um sorvete. E que terminavam sempre em nós dois, enquanto você me dizia que nenhum deles adivinhava que você era já uma moça madura e preferia milk shake. E querida, por favor, não tente me convencer novamente de que você estava esperando por mim. Nada me doeria mais do que ter te perdido sem nem mesmo saber, então prefiro pensar que você disse isso com aquele seu sorriso ambíguo de quem está medindo reações, prestes a soltar uma gargalhada jogando a cabeça pra trás sabendo que tem o mundo aos seus pés.

Nenhuma gargalhada por aqui. Andava, perdido nessas memórias que mais pareciam invenções, quando uma mulher me pegou pela mão. Me olhou com uns olhos secos de não ter mais nada. E não disse palavra. Estava num desespero oco que foi entrando pela minha pele, sem me deixar saber se era um quente, um frio ou um choque elétrico. Você bem sabe as lágrimas que eu tenho acumuladas em mim, e tudo o que quis naquele momento foi dá-las para ela. Mas antes que pudesse, ela se foi. Me soltou. Talvez decepcionada por eu não ter esboçado nenhuma reação, qualquer que fosse. Ou talvez ela só quisesse algum calor, e eu deveria realmente ser o único por ali sem luvas. Sei que ela se foi. E eu não tentei impedir. Não tentei salvá-la.

Minha querida, tenho certeza de que essa mulher morreu. Estou sentindo isso em mim, essa proximidade com a Morte. Tenho medo d’Ela ter conseguido penetrar pelos meus poros. Porque na cidade agora é assim. A Morte é contagiosa e certeira, e eu vejo os moribundos andando pelas ruas vestidos de preto. Todos se dirigindo aos próprios enterros.

Mas não vou me preocupar. Sei que um abraço seu irá me curar, como já curou tantas vezes. E aí, a vida e as cores. Sim, estou fazendo o possível para ir visitá-la. No Natal, se tudo der certo. Me pergunto se as crianças ainda se lembram desse tio postiço distante, cuja tosse o impedia de brincar nos jardins. E sei que quando eu chegar você estará vestida de flores, e com cheiro de flores.

J., não deixe que nosso amor seja nada além disso: flores e milk shake.

Seu, para sempre,
E.