quinta-feira, 25 de outubro de 2007

enfim

Depois de alguma brincadeira, talvez, porque você adorava fazê-la rir. E ela disse assim, como quem não quer nada, e você teimando em não ver que ela não queria mesmo muita coisa além daquilo ali naquele momento, naquela cama ou em outra. E você até diria que pra você também bastava, mas só pra se enganar mais um pouco, já que só bastava na ilusão de que um sentimento dela se aconchegasse no seu.

E ela disse, assim desse jeito, que você nunca falava sério. Disse por dizer, que era como ela dizia quase tudo. E será que ela percebeu que seu sorriso fechou? Que você de repente parou no ar, tentando não pensar na queda que se aproximava? Porque só tinha uma resposta, um motivo, uma explicação pra muita coisa nessa história. Mas você se protegia ao não falar. Muita coisa acontecia, muita coisa machucava. Mas não ter falado te mantinha leve, talvez livre, quem sabe em pé.

E agora isso. E agora não existiam outras palavras além daquelas eu te amo.
E nunca tão tristes. Nunca tão sujas. Você não falava, não pensava, porque sabia que sairiam assim, já derretidas, já vermelhas, já lava se espalhando e devastando o pouco que tinha. E sairiam quase como uma desculpa. Com reticências que pareceriam dizer “eu não pude evitar... não com o seu cheiro, o seu riso, as suas loucuras de fim de tarde”.

Agora ela ali. Provavelmente não maldizendo tanto a pergunta feita quanto você a resposta não dada, e o coração em algum rebuliço enquanto você se esforçava para pensar em outra coisa, qualquer coisa, mas só vinha um sentimento maior que o peito, maior que o seio, maior que a boca, maior que a nuca, e você sem saber porque sempre achou que esse amor tinha nascido de um beijo na nuca, e como queria rir com ela de que seriam poucas as pessoas que poderiam dizer “meu bem, olha como nosso amor começou”.

Agora ela ali. Mas não era insensível, e também se iludira, tentando se convencer de que era recíproca aquela simplicidade, aquele desapego. E tentando não pensar que poderia ter sido algo mais se ela... Enfim.

De todos os verbos que vocês usavam, nenhum era presente. Ou será que todos eram isso e nada mais? E quem levantou pra ir embora? Quem chorou sozinha a dor de um amor que quer chorar a dor com esse amor que ainda não acabou? Quem abraçou quem, afinal, no final? Quem conseguiu fechar a porta se ainda vem aquele vento gelado que te faz querer dormir com ela?

E eu, é claro, tentando não pensar que poderia ter sido algo mais se você... Enfim.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

lindo lindo

“Eis o mistério que me deixava desconcertado naquela época, e continua deixando. Como é que ela podia estar comigo num momento e no outro, não? Como podia estar em qualquer outro lugar, de forma tão absoluta? Era isso que eu não conseguia entender; era isso que eu não conseguia aceitar, e continuo não conseguindo. Uma vez afastada da minha presença, ela deveria ter se tornado imediatamente pura ficção, uma recordação minha, um sonho meu; mas todas as evidências me diziam que, mesmo de longe, ela permanecia ela mesma, de um jeito sólido, obstinado, incompreensível. E, no entanto, as pessoas vão embora, desaparecem. Esse era o maior mistério, o maior de todos.”

O Mar, John Banville

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Sorte de hoje: Se seus desejos não forem extravagantes, eles serão realizados.





Bem... Defina extravagante.

domingo, 7 de outubro de 2007

uma menina

Era uma vez uma menina...
Que não, não queria ser bailarina. Quem dera fosse assim tão simples. Quem dera soubesse. Quem dera lembrasse.

Era uma vez uma menina que não conseguia se aproximar. Dos outros, do mundo. Ela meio que flutuava ao redor, pairava, observando. E não era um observar como que julgando, nem como se pudesse. Pena não fazia parte de seu repertório. Nem dó. Nem piedade. A palavra que ela descobriu em si foi compaixão quando soube que paixão significa sofrimento. E era isso: sentia a dor dos outros, como os outros, com os outros. E que outros lindos eram aqueles que se deixavam sentir, se deixavam levar, se deixavam sofrer no caminho de viver uma vida vivida. Sentia, então, um certo amor, que vinha com uma vontade de num abraço dizer tudo que...

Era uma vez uma menina que queria se aproximar. Dos outros, do mundo. Mas não sabia como dar o que ela nem sabia o que era, o que ela nem sabia o que tinha. E sentia tanto o que os outros sentiam que nem sabia mais o que era dela. A menina queria se dar. Como certas pessoas, umas que ela admirava mais – era menina de se admirar essa menina. Mas, não sabendo como, dava o que podia. Esperava um anoitecer – de algo que escondesse um pouco a timidez de quem não costuma, enfim – saía correndo e deixava um presente desajeitado pra alguém que talvez nem soubesse o por quê. E podiam até achar que a menina dava algo de si. Quem sabe. Mas, se reparassem bem, ela quase nunca abraçava.

Era uma vez uma menina que tentando se aproximar, dos outros, do mundo, convenceu. E convencer é tão triste pra uma menina que só quer ser descoberta.

Era uma vez, enfim, uma menina. Que era tantas meninas juntas. Que podia até caber em si. Mas se perdia no caminho.