quarta-feira, 29 de agosto de 2007

tapa na cara (inacabado)

“Um tapa na cara, bem dado. Tapa. Não soco, veja bem. Mão aberta. Tapa não machuca tanto, mas dói muito mais. Mais fundo. Estava convencida de que merecia um tapa na cara. Não. Queria. Chegava a querer. Torcia, sim, era essa a palavra.”

- O que você está fazendo?
- Escrevendo uma história, ora o quê.
- Hum... Sobre o quê?
- Sobre quem. Sobre uma menina que merecia um tapa na cara.
- E você pode fazer isso? Dizer isso assim, sem mal conhecê-la, que ela merecia um tapa na cara?
- Mas se ela mesma acha isso. Quem sou eu para contrariar?
- Ué. Ela pode estar errada. É muito fácil pra ela querer um tapa na cara.
- Isso lá é verdade. Tudo bem. Comecemos de novo, então.

Pois vejamos os fatos: de tantas coleções para escolher, tantos hobbies, tantos selos no mundo, tantas bonecas, sapatos, bolsas, cartões postais, coelhinhos. Tantos pingüins, meu deus! Ela colecionava corações partidos.

- Ai, que melodramático você. Só faltaram as reticências antes de “corações”.
- Mas... Mas não é revoltante isso? Colecionar corações partidos?!
- Não sei, quem está dizendo que ela fazia isso é você. Aliás, nem sei o que isso quer dizer.
- Quer dizer que com 21 anos, 21!, ela já tinha nada menos que quatro. Dos grandes. Dos bonitos. Quatro.
- Quatro?
- Ah, não, cinco... Teve aquele no primário. É, talvez até mais do que isso.
- Sim, tudo bem, mas eu não sei se isso é lá grandes coisas...
- Não é lá...?! Olha. Vamos lá. Eu explico com calma, até deixando de lado o caso de infância. Talvez crianças sejam mesmo inocentes, sabe-se lá. Então. Quatro pessoas que a amavam muito, que queriam fazê-la feliz, dividir uma vida com ela, construir algo. E ela os dilacerou!
- Com todo respeito, essa sua visão não está meio capenga, não? Nem sei se são tão do bem ou não. São seres humanos, isso já diz o bastante sobre o caráter de alguém.
- Divagação agora era o que faltava...
- Você entendeu. Quem me garante que eram tão inocentes assim?
- Talvez não fossem, tudo bem. Mas em três ocasiões, três, veja bem. Ela foi a namoradinha perfeita. Compreensiva e amorosa, sempre preocupada com o prazer alheio, em agradar, em resolver problemas...
- Uma chata!
- Claro que não! Uma manipuladora, isso sim! Deixou os três corações lá, achando que estava tudo bem, apaixonados...
- Acomodados, é o que digo. Estava na cara que tinha algo de errado, muito óbvio.
- Sabia! Novamente você simpatizando com o algoz...
- Algoz?! Vítima! Ou melhor, nem um nem outro. Estou dizendo exatamente que não tem nada disso.
- Como não?! Olha, uma coisa eu posso afirmar: aquelas pessoas ficaram devastadas. Perderam o chão.
- ...
- Pois duvide!
- Não duvido.
- Mas meu deus...
- Não duvido. Nisso eu acredito. Ficaram devastadas, é provável, mas porque é ela o monstro?
- Não falei em monstro. Falei em irresponsável, leviana, insensível e manipuladora.
- Pois veja o que eu acho: eu acho que ela está na merda.
- Olha os termos! Acha que é assim, vai se metendo e...
- Na merda, sim! E você acha ela uma escrota, é só falar. Es-cro-ta. Va-di-a.
- Pois acho mesmo ! E não só isso como burra. Bu-rra!
- Bur-ra.
- Que seja!! Uma estúpida! Tanta gente sem ninguém, sozinho no mundo, querendo só um amor, e ela acaba com quatro!
- É bom você me agradecer depois, porque eu estou te dando uma aula de compaixão aqui. E o lado dela, hein? Não estou dizendo que é santa, mas o que você acha que passa pela cabeça de uma pessoa pra fazer isso?
- Proponho o seguinte: agora vai você. E a gente vê.
- Eu topo.

(to be continued)

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Sampa

Nunca achei que fosse gostar de São Paulo. Mas gosto, e cada vez mais.

O que me impressiona dessa vez é como é uma cidade que pode proporcionar muito mais auto-conhecimento do que o Rio. Não me proponho a socio ou psicologismos, é apenas a minha impressão. É claro que cada pessoa pode estar mais ou menos disposta a isso, mas acho que São Paulo é uma cidade que levanta muito mais questões, é só sabermos usá-los, e respondê-las com sinceridade.

Uma parte das questões diz respeito, é claro, a escolhas e gostos. Com a enormidade de opções da cosmopolita, que comida? De que país? Hamburgueria brasileira ou americana? Japonês grã-fino ou na Liberdade? Vila Madelana ou Itaim? Qual dos shoppings? Ou ao ar-livre? Qual das modas? Que boate? Ou boteco? Ou showzinho? Ou showzão? Enfim... O campo para experimentação é muito maior.

Mas isso, pra mim, é o de menos. Criada no Rio, aprecio a beleza das coisas, e me acostumei com as óbvias: o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Lagoa, Ipanema, o pôr-do-sol em qualquer lugar. No Rio, é comum o prazer em olhar pra fora e apreciar. É fácil, tá em qualquer esquina.

Em São Paulo, não. E é interessante andar pela cidade, que muitos acham feia, e prestar atenção no que você acha bonito. O que te chama a atenção, o que te faz ter vontade de parar pra olhar melhor. Quem sabe algo que dê a emoção que faz com que tenha gente batendo palma no Arpoador. E numa viagem, como alguém de fora, isso é só seu, só meu. Ninguém disse que é bonito, mas balançou. E isso diz algo.

Só que a verdade é que tem muita coisa feia. E, de qualquer maneira, há essa grandiosidade peculiar do horizonte sem mar, do leito de luzes. Aqui na Vila, essa outra vila daqui, tão diferente da nossa lá, do 13o andar dá pra ver um mundão de prédios. Mas também telhadinhos, de telha mesmo. E os carros, e as pessoas nos mais diferentes tamanhos. De onde estou, 180 graus de um mundão com vários mundinhos. E pôr-do-sol, mesmo com poluição, é de queimar a vista e combina com o vermelho das telhas.

E nem é poesia. É uma foto que ficou, assim como o clipe da vista com Jill Scott tocando em azul rodopiante.

Sem saber qual comida ou qual roupa, mas querendo buscar.

E a conclusão? São Paulo é bom pra olhar pra dentro. E apreciar. A cada esquina.

diario

Querido diário,

você que não sente, não erra, não peca, não sente tesão, não cai em tentação, não se apaixona, não machuca os outros, não se machuca nem é machucado, não tem fantasias nem perversões, não trepa e não goza, não reza e não chora, não pensa em atropelar e se jogar da janela... Querido diário... Por que diabos eu conversaria com você?

Querido diário, só porque você não julga e não abandona? Não emite opiniões e não reprova? Dá alívio e conforto? Querido diário, me desculpe, mas eu prefiro o desconfortável. Cansei da mão na cabeça e, com todo respeito, nem mão você tem.

Querido diário, espero que entenda. Mas acho melhor um tapa na cara de alguém que se importe o bastante para tanto. Escolho a reprovação sincera, e carinhosa. Escolho crescer.

Querido diário, não se ofenda. Veja bem, não será para mim que escreverei. Será para a pessoa que eu amo. E que me ama de volta. Uma pessoa para quem eu possa contar meus erros sabendo que serão deplorados. Uma pessoa que eu magoe e que me magoe porque, afinal, é também o que as pessoas fazem. Mas também uma pessoa pela qual eu queira mudar, crescer, reconhecer as falhas, lidar com elas.

Querido diário, aprendi que sinceridade não é confessionário, e que é melhor sofrer com consciência do que o alivio de uma penitência.

Então, querido diário, adeus. A partir de agora, escrevo para uma pessoa de carne e osso, um grande amor. Que como todo grande amor, e como muitas outras coisas, machuca. Mas como todo grande amor que é grande o bastante para ser muito mais que um grande amor, é o único capaz de fazer do machucado algo além.

E é para além que eu quero ir.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Lacunas.2

Acho que falei mais da coisa da declaração do amor...

Mas tem tantas outras coisas, talvez até mais importantes, no final das contas.

Deixar lacunas:

deixar que o outro ligue, que o outro chame, que o outro tome a iniciativa. Enfim, deixar que o outro perceba que quer e faça algo a partir daí.

deixar que o outro não ligue, não chame, não tome a iniciativa. Enfim, dar a liberdade para que em alguns momentos o outro não queira. - E isso isso significa, obviamente, não ficar mal com isso. E não ficar mal normalmente significa que você precisa SE dar essa liberdade também, pra entender o momento do outro depois.

Não fazer tudo pela outra pessoa e pelo relacionamento. Deixar que a pessoa faça algo também. E, novamente, isso vai diminuir as chances de cobrança. Se você faz tudo, acaba querendo o mesmo em troca.

Não idealizar. A pessoa, a relação. Essa é difícil... Mas se a gente cria uma imagem prévia na cabeça: pronto. Todas as lacunas foram preenchidas, e ai de quem não dançar no ritmo, não seguir o roteiro.

E não idealizar você, é claro. Não partir do princípio que você é uma determinada pessoa, que deve agir de determinado jeito, ter determinadas reações. Esse talvez seja o maior retrocesso que uma pessoa pode fazer. Privar-se do auto-conhecimento, de saber como vai reagir, do que gosta e do que não gosta, o que aguenta, o que topa, o que dói, onde dói, e porque dói. (Isso serve tanto pra quem diz que é decente e íntegro quanto pra quem jura que é descolado e adora uma libertinagem.)

E o diálogo. Não falar tudo. Não é tudo que precisa ser dito, discutido. E não é você quem precisa puxar todas as conversas, resolver todas as questões. Deixar que a outra pessoa fale um pouco também, ou queira não falar, ou queira não ouvir. Conversar mais com você antes de despejar as coisas do lado de fora. Não usar o outro como terapia, confessionário. Ou usar, mas sabendo o que isso significa e fazendo porque você quer, de fato, dividir aquilo.

Enfim. Consciência e liberdade. Estar atento ao que você quer e sente, pra onde você está indo, pra onde você quer ir, com quem.

Essas são, minha gente, as palavras de sabedoria dessa semana.
Ishalá, saravá, afoxé, Jeová, meu rei.

E Gondin e Lya Luft, é claro. Eles são uma INSPIRAÇAO, Fausto!

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Lacunas

Um autor que falou na FLIP, Jim Dodge, mencionou a importância das lacunas na sua literatura. Disse que a escrita é coletiva, sua com seu leitor. E que é necessário que haja confiança no leitor e que se deixe lacunas a serem preenchidas.

Acho que isso se aplica muito, completamente, a relacionamentos. Duas pessoas que se relacionam são uma leitora da outra, e ambas criadoras. De si, do outro, do que liga as duas, da vida que levam juntas. E é necessário que se respeite esse espaço criativo. Mais que isso. Não deve se subestimar a inteligência do outro, e partir do princípio que ele pode, sim, completar algumas lacunas. Que não é necessário que fique tudo claro, óbvio, estampado, em néon o tempo todo. Porque é possível que outro não queira mais criar, nem consiga mais fazer parte daquilo.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

um final. ou um início.

E foram, assim, cada para um lado. Com a certeza de que não era possível, de que era um relacionamento inviável, de que um faria o outro sofrer eternamente e que essa dor, a de machucar o outro, seria insuportável.

Tantas certezas. Tantos adjetivos. Um narrador onisciente, em terceira pessoa, diria o quão enganados eles estavam, cada um perdido em seu próprio orgulho, seu medo, sua inércia. Cada um sem ter a coragem necessária para, sim, dar a cara a tapa uma vez mais. Porque amor daquele tamanho merecia.

Mas eu não posso dizer isso. Só consegui ver duas pessoas caminhando em direções opostas deixando um rastro de coração pelo asfalto, pela calçada, pelos bueiros. Pelos sinais que estavam todos fechados como se, comovidos, tentassem indicar que aquele era o caminho errado.

Vi que foram, assim, cada um para um lado. Sabendo que viveriam uma vida que não era deles. E que outras pessoas teriam e criariam os seus filhos.