segunda-feira, 9 de julho de 2007

Do tempo, da sorte, e de outros deuses do amor

Uma pessoa quis primeiro. A outra só quis depois. Ou a outra só percebeu depois. Ou a outra só assumiu depois. Ou a outra só declarou depois.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo. Só que uma demorou a vir. Uma hesitou em demonstrar. Ou demonstrou mas demorou a se acertar. Ou se acertou mas a outra precisou ajudar.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo uma à outra. De intensidade assim: dois corpos juntos transbordando juntos e chorando juntos se escondendo juntos se mostrando aos poucos e na junteza descobrindo que podiam mais juntos, que se reconheciam mais juntos, cada um a si e um ao outro.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo e descobriram que quando o mesmo tempo era um só, não eram mais duas pessoas.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo e não perceberam que quando o mesmo tempo era mais que um, e sabe-se lá quantos, eram somente duas pessoas. E as duas pessoas que eram quando os tempos não se encontravam se desencontravam ainda mais do que quando não queriam ao mesmo tempo. E sentiram, sem conseguirem se aperceber, que o desencontro de uma ia ferindo a outra. Que sempre uma das duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo sangrava uma dor que só podia ser curada quando os tempos voltavam a ser um só.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo foram vivendo uma vida de abrir a carne uma da outra, deixar em brasa e fazer sangrar. Tendo que a cada noite juntar os tempos para lamberem-se as dores, curarem-se as mágoas e choraram-se os prantos de transbordamento que limpavam aqueles de dor.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo não sabiam que não dependia só delas juntar o tempo. Que o Tempo tem sua própria vontade, e que a vontade do Tempo pode ser muito mais forte que a de duas pessoas que se querem ao mesmo tempo, principalmente quando elas eram somente duas pessoas.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo não conseguiram parar de se machucar, e conseguiam cada vez menos juntar os tempos, fundir os corpos, e os tambores entraram em descompasso. E o ritmo dos tambores trocados foi confundido com o dos corações, não demorando para que as pessoas que se queriam ao mesmo tempo não conseguissem nem sentir a batida que bate igual nos corações de quem quer ao mesmo tempo.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo não viam mais a sorte que era encontrar uma à outra. E a Sorte, magoada, também passou a jogar contra. E as duas pessoas que queriam ao mesmo tempo poderiam jurar que os obstáculos que o Tempo e a Sorte colocavam no caminho de ambas era culpa da outra. E logo o caminho único das duas se tornou dois só. Tão só.

E os caminhos só das duas pessoas que haviam se querido ao mesmo tempo teimavam em se esbarrar, porque caminho só também tem suas vontades, e a vontade deles era se juntar de novo (na sabedoria daqueles que têm muita vontade e nenhuma razão). Só que as duas pessoas não conseguiam usar o esbarrão pra juntar os caminhos, na dor sentida e cheia de razão de cada uma das duas pessoas que deixaram de ser uma só e eram agora muito menos da metade do que foram.

E nesse só de só de caminho sozinho de cada uma, só restava oferendar à Sorte e ao Tempo, que também já haviam sido, noutros tempos de mais sorte, dois que eram um.

3 comentários:

Anônimo disse...

bá...poxa, um transbordar intenso e visceral. teria muitas coisas para falar, mas estou em um dia mais silêncioso.
lindo.

Unknown disse...

Vou quebrar o meu bloqueio de comentar em blogs ( pq eu nunca tenho um comentário à altura do q foi postado, e isso me irrita ) para dizer, curta e grossa: do caralho!

Festa Grog disse...

demorei:
muito interno. muito.