sexta-feira, 30 de novembro de 2007

o meu pai

O meu pai me ensinou que é só gritar o nome da palavra como se ela tivesse lá do outro lado da rua. Quando for pra saber qual é a sílaba tônica. Ele me ensinou isso logo no início, então eu nunca entendi muito bem porque as outras crianças se confundiam tanto. Se era assim tão simples. Não lembro se eu tentei ensinar isso pra elas. Só lembro que era sempre a mesma rua, e era uma rua assim escura. Rua de sonho. Ou de pesadelo. E só tinha na rua eu e a palavra, lá do outro lado. Eu gritava o nome dela, assim bem alto. E não sei por quê, mas quando eu ia ver a palavra era sempre uma galinha.

O meu pai encadernava os meus livros. E cada ano de uma cor. Eu acho. Sei que teve um ano com um plástico quadriculado, de azul e branco. Eu achava engraçado. Era coisa de mãe, né? Encadernar. Mas ele fazia tudo certinho. A gente sempre fazia de noite, e eu sempre nervosa porque as aulas iam começar. E na primeira aula de todas eu chorei, porque o meu pai tinha ido embora. O olho foi enchendo de lágrimas e eu não queria piscar. Só que aí não encontrava as sílabas. Acho que eu queria o meu pai. Ele é que tinha me levado.

O meu pai colocava formigas no meu café com leite. E me dava óleo de fígado de bacalhau. Só eu não reclamava pra tomar. Acho que a gente conversava tomando café. Ele lavava o meu cabelo de manhã. E um dia a minha mãe reclamou, porque eu era grande demais pra não lavar o cabelo sozinha. Aí eu lavei, enquanto eles discutiam. Acho que os dois ficaram orgulhosos.

O meu pai dormia ouvindo rádio. E pegava mosca com a mão. E um dia cantou pra mim a música que a minha mãe cantava, porque ela tinha viajado. E eu estava chorando. Eu não lembro se eu chorava muito. Eu não lembro de muita coisa. Me falaram que ele era mal-humorado, mas eu não lembro disso também. Ele me ensinou a engraxar os meus sapatos. E a amarrar cadarços. Eu lembro que só a gente acordava cedo nos fins-de-semana. E assistia ao Globo Rural. Mas eu não lembro se eu só fingia que gostava.

O meu pai um dia foi embora. Me falaram que ele tinha que trabalhar em outro lugar, mas eu não entendia muito bem o porquê. Só sabia que ele tava indo e eu não queria soltar. Não sei se só me contaram no dia, mas tinha uma mala e eu tava chorando e não queria soltar. Sempre que dava ele voltava. Me ajudava com o dever de matemática. E eu queria conversar. Mas o tempo foi passando e a gente não se conhecia mais. Até que um dia eu soltei.

Eu nem sei se ele ainda dorme ouvindo rádio. Mas às vezes é o colo que eu queria.

Um comentário:

Unknown disse...

Barbara!!!
sou o mais novo leitor do seu blog ta...
li muito rapido o "adeus" pq to de saida aqui, mas gostei demais!!!
bjo grande!!!

PS: é o renan amigo da tai ta?! (caso nao saiba)