terça-feira, 8 de julho de 2008

do que se aprende com a suposta crueldade

Brincava com os meus sentimentos como uma criança inocente. De uma curiosidade cruel. Contava suas histórias, seus flertes e conquistas, fingindo não saber o quanto me magoavam. Eu que nunca soube se me machucava o descaso dela para com a minha dor ou minha incapacidade de amá-la sem tentar compreendê-la. Eu que não tento mais, e nem sei se ainda amo, nessa distância tão grande de mim.

E na digressão me escapou a criança travessa, vê-se que até nos meus próprios pensamentos não tenho controle nenhum sobre ela. Saiu correndo com meu coração numa mão, minha felicidade na outra, um sorriso estampado no rosto. Agora, revendo a cena aqui de cima, longe de tudo, é que eu vejo como as minhas lágrimas eram em vão. Inúteis por não terem razão de ser. A menina me esperava logo ali, abafando a respiração ofegante e as risadas. Se escondendo de mim num jogo de pique que eu não sabia que estava acontecendo. Esquecera de me avisar. Ou me faltava o senso de humor romântico, assim como sempre me faltou a noção de tempo que só ela teimava em achar encantadora. Com a visão embotada de dor fica mais difícil ver o óbvio.

O que sinto agora, fechando os olhos, é a presença dela me esquentando a pele e a alma. Provavelmente porque nela faltava uma certa resignação com aquilo que havia sido estabelecido como ela e como o outro. Brincava com esses limites que ela não via, e nem ninguém mais. Expandia o que era ela e o que era eu, até restar pouca diferença. Quase nenhuma. E o prazer que era, e a paz que era, saber que um sopro dela me fazia transcender. Mas com a visão embotada de mundo, fica mais difícil ver a inocência.

E ela foi seguindo achando grande graça no efeito que uma ação sem significado dela tinha em mim, querendo que eu risse junto de seus experimentos. Que eu conseguisse separar o real do encenado, e que compartilhássemos um amor maior. Grande o bastante para caber o meu crescimento e o dela.

Não coube. O meu crescimento não coube em mim. Tudo o que eu questionava e aprendia de mim para tentar viver aquele amor foi se tornando maior que a pele, maior que o corpo. E ganhou o corpo. Perdi eu. Crescer rápido demais dói na carne e nos ossos, e não suportei a dor.

Mas é a única dor que pertence a mim, e a mais ninguém. Verdadeiramente minha, que nasceu de quem eu era pra me transformar no que eu sou.

Não agradeço, portanto, pelo sofrimento. Não peço desculpas, tampouco, por não ter suportado. Não espero mais pelo reencontro, pois um anjo ou demônio pode passar e realizar um desejo que ainda não chegou a ser destino.

Me resta, assim, eu e minha própria liberdade. Sabendo o quão inevitavelmente cruel pode ser adquirir e manter sua liberdade. E isso eu aprendi com ela.

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