terça-feira, 31 de julho de 2007

culinária

Receita para felicidade? Que bobagem. Tantas outras mais eficientes.

Guacamole
- 1 abacate grande maduro (ou dois pequenos)
- 1 tomate maduro
- 1 pimentão verde (é a cor, não o ponto. O ponto é maduro também, se é que isso existe pra pimentão. A cor, aliás, pode ser qualquer uma. Mas imagino que seja melhor verde ou amarelo, pelo colorido da coisa, já que o tomate já é vermelho).

Amasse o abacate (se não for óbvio: sem casca e sem caroço), corte o tomate e o pimentão em pequeninos pedaços, misture tudo. Um pouco de sal, molho de pimenta vermelha de acordo com o gosto, uma espremidinha de limão por cima e... voilá.

Michelada
- Cerveja
- Limão
- Gelo
- Sal

É cerveja com um pouco de suco de limão e sal na borda.
“Descoberta”: um prato com sal, molhe a borda do copo, vire o copo no prato = sal na borda.
“Descoberta”: o ideal para uma caneca de cerveja é ¾ de limão espremido.

O caminho traçado:
1) Cerveja gelada
2) Cerveja gelada + um limão espremido + sal na borda
3) Cerveja gelada + ¾ de limão espremido + sal na borda + 3 cubos de gelo
4) Taco apimentado + michelada = ressonância perfeita. Experiência divina. Poros abertos.

Submarino
- 1 tulipa com cerveja
- 1 copinho com cachaça

O copinho da cachaça dentro da tulipa com cerveja. Vire. Aproveite.

Variação: tequila.

A invenção da noite
- Cachaça Seleta
- Espumante
- Chocolate (Hershey’s)
- Vista do Pão de Açúcar
- Pessoas agradáveis

Uma taça de espumante com cachaça.
Morda um tablete de chocolate, espalhe pela boca, feche os olhos, beba a mistura.

O nome da sensação:
Beira-Mar.



Pro futuro:
Menos receitas. Mais invenções.

um início...

Eram ambas ruivas. Foi assim que começou a amizade.
Poderia-se dizer também que eram ambas gordinhas, ou tinham sardas, ou que nenhuma das duas tinha outros amigos.

Poderia-se dizer que isso tudo era verdade. Mas elas sabiam que havia sido o ruivo. Aquilo que era motivo de graça para as outras crianças, para elas era motivo de orgulho. E a chegada de uma à escola da outra fez com que tivessem alguém que compreendesse a força por trás daquilo. A força secreta, elas diziam.

E realmente, juntas elas eram mais. As notas melhoraram, o humor, a timidez. Tornaram-se líderes de um grupo de amigos no qual não havia líderes.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Li o livro

sobre Muito Longe de Casa, Ediouro
(A Long Way Gone, Ishmael Beah)


Não que eu tenha orgulho em dizer isso, mas uma mentira mudou por completo a maneira como eu senti o livro de Ishmael Beah, “Muito Longe de Casa”. Esbarrei com o autor algumas vezes durante a FLIP, sem nunca conseguir ligar sua calma e cavalheirismo ao que havia lido sobre o livro. Isso porque não, ainda não havia lido o livro. E é provável que não o escolhesse em um passeio por uma livraria na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Sabe-se lá por quê, fui incumbida de entrevistá-lo, o que só foi possível por telefone, após o debate no qual meu choro foi contido pela revolta ao imaginar uma criança passando por tudo aquilo. E aí entra minha mentira: me passei por uma pessoa que havia lido o livro. Achei que seria uma tremenda falta de educação fazer perguntas a um autor sem ter lido seu livro, mas precisava cumprir ordens, e queria muito conversar com ele.

O questionamento que não saía da minha cabeça enquanto pensava na pauta era: o que leva uma pessoa, depois de passar por uma guerra civil em Serra Leoa, ver pessoas morrendo e depois de ter tido que participar dessa guerra, tendo que aprender a matar... O que leva essa pessoa a reviver tudo para fazer um livro?

E eu, do alto de meus bem nutridos 21 anos, ao me esforçar para tentar me colocar no lugar dessa pessoa, concluí que uma parte de minhas motivações seria me redimir, me confessar ou, melhor dizendo, me tornar novamente apta para a vida em sociedade. Não ter que me explicar em cada canto que passasse, esconder meu passado, ou dar satisfações. E foi com genuíno interesse que tive a audácia de transformar meu questionamento em uma pergunta, que Ishmael tranqüila e educamente respondeu, dizendo que tinha escrito o livro porque era uma história que precisava ser conhecida.

Agradeci a entrevista, e o agradeci por ter escrito o livro tendo certeza de que foi uma experiência difícil, mas com o olhar jornalístico que achava que deveria ter fazendo com que eu ainda tentasse pensar em motivações mais... poéticas, ou até “egoístas”. Algo como uma necessidade de escrever, a vontade de se expressar e se fazer ouvir, precisar recuperar suas memórias, ou qualquer bobagem desse tipo.

O que me levou à pergunta inteligente da entrevista, como ele via o título em português, que havia acrescentado a palavra casa ao original (“A Long Way Gone”). Ele disse que realmente o gone poderia se referir a mais coisas, mas que ao mesmo tempo casa para ele e para sua cultura é mais do que o lugar em que você vive. É o seu berço, onde você recebe seus valores, sua ética, sua maneira de encarar o mundo.

Li o livro. Posso dizer que é uma história que precisa ser conhecida, e recebida com corações e olhos abertos. Precisa ser lida, e talvez relida, de modo a evitar que nossa mente ao lê-la se perca em travellings, closes, zooms, cortes rápidos, e outras estratégias cinematográficas que a tornariam mais tragável.

É uma história que deve ser sentida como o que é: intragável, insuportável e, pelos deuses, inaceitável. Espero que os leitores se permitam sofrer o máximo que puderem, mesmo em realidades tão distantes da narrada, e que esse sofrimento se transforme em algum tipo de consciência. E que essa consciência se transforme em qualquer tipo de ação, ou compaixão que seja. Que a leitura desse livro posso transformar a maneira como encaramos, sentimos e interferimos nesse mundo.

Li o livro. E agora vejo, com dolorosa clareza, que se há alguém para ser perdoado ou redimido, somos nós e todos os que não fazem nada. Que seria mais provável que Beah tivesse escrito o livro como maneira de perdoar essa sociedade louca em que todos nós vivemos, e que o fez sofrer mais do que somos capazes de imaginar, e ter uma força que jamais saberemos se temos em nós. E agora sei por que fui a escolhida para entrevistá-lo: por não ser uma jornalista.

Li o livro. E posso agora responder à minha própria pergunta. Ishmael Beah escreveu o livro porque ele é um escritor. Ele é aquele que chegou ao limiar, na beira do abismo, sobreviveu e ainda teve a coragem, e a generosidade, de voltar para nos contar.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

cinema e música (ou "das reticências" ou "para ser ouvido com trilha sonora")

- ...
- ...
- O que foi?
- Nada.
- Você não queria estar me beijando?
- É complicado...
- ...
- ...
- Desde quando?
- Desde quando o quê?
- Desde quando você está com outra pessoa?
- ...
- ...
- Três semanas.
- ...
- ...

***

e poderia estar tocando
Love is just a game
Broken all the same
And I will get over you
Love is just a lie
Happens all the time
Swear I know this much is true

e poderia estar tocando
tinha cá pra mim que agora sim eu vivia enfim o grande amor
mentira

e poderia estar tocando tocando tocando sem parar
It's hard lookin' at you when you look that way
With your one night stands and your sleep all days
Ooh you're such a slut sometimes

Mas não. Preferiram tocar Marisa Monte. Preferiram que fosse tão bonito quanto havia sido, ou tão bonito quanto o bonito que havia sido merecia que fosse.
Aconteceu
O que aconteceu
Foi melhor assim
Estava por um fio
Estava por um triz
Estava já no fim
Todo mundo via
Que acontecia
Pois aconteceu

Na esperança de uma abertura, de uma brecha, de um sinal. De uma seqüência.

Até parece
Que não lembra que não sabe
O que passou
Não faz assim
Não faz de conta que não pensa
Em outra chance pra nós dois
Olha pra mim
Não me torture, não simule
Não me cure de você
Deixa o amanhã dizer

Do passado

Certo. Ele não canta mais no banho. Laura tinha tentado ignorar a distância do marido, a ausência do marido, a ausência sempre presente do marido. Mas nem presente ele estava mais. Fugindo, evitando, passando tempo demais fora de casa para um publicitário político fora de época de eleição. Ela sabia como funcionava. E aquele olhar culpado, que não consegue olhar nos olhos. Mas o que doeu mesmo foi a tristeza. Tristeza não compartilhada, escondida, mal disfarçada. Droga. Ele tem outra. Tem? Melhor do que achar que não a ama mais. Somente dois anos de casamento. Ela nem tinha conseguido ainda um apelido satisfatório para o nome Henrique.

Certo. Como foi que ele surgiu mesmo? Um dia o colocaram em seu departamento. Trabalharam bem juntos. Iam bem. Faziam o trabalho, se divertiam, conversavam. Era bom, o papo fluía, o trabalho fluía. Charmoso, ele. Bem charmoso. De um jeito inocente. Como quem não percebe o próprio charme. Sexy ele. Bem sexy. Um jeito de passar a mão no cabelo enquanto se exaltava em discussões filosóficas profundas. Isso era novidade pra ela. Discussões filosóficas profundas. Assim, de verdade. Conhecia só filosofia de mesa de botequim ou de beira de cama. Filosofia de verdade. Interessante isso. Tirando que ela não acreditava muito em filosofia. Preferia sexo. Ok. Sexo com ele. Interessante isso. Pensava de maneira inocente. Inocente? Ok, não inocente. Mas o casamento ia bem, estava no início, ela não pensava seriamente sobre o assunto. Mas gostava de como ele desapertava a gravata e colocava uma música no som do carro e cantava pra ele, e não pra ela. Conversavam sobre relacionamentos em geral, os seus específicos. Ela gostava de como ele via o amor. Mesmo quando não era amor. Gostava de como ele ficava um pouco sem-graça com sua abertura pra falar de sexo. Gostava de quando eles começavam a ficar bêbados e quase flertavam, mas aí ele falava de seu caso com a vizinha. E ela ficava um pouco decepcionada. Mas tudo bem. Também seria difícil arranjar um apelido para Rodolfo.
Certo. Respirar fundo e abstrair. Você é uma mulher casada.

Mas.... Henrique também era casado. E isso não o impedia de chegar tarde com desculpas esfarrapadas e uma falta de perfume bastante suspeita. Não havia o dela (a outra, a amante, a biscate, a rapariga de beira de estrada) mas também não havia o dele. Aquele que mesmo no final do dia persistia quando eles se abraçavam após um dia inteiro separados. Ela só pensava nele se lavando antes de ir do motel pra casa e nem sequer considerava a possibilidade de ela mesma estar esquecendo que sentir cheiros faz parte do amor. Ou seria da paixão? Ela sempre teve problemas em diferenciar.

E, afinal, o problema não era ela, que sempre fora fiel. O problema era ele. Tudo bem, ela sempre teve o discurso de que não era traição sentir atração por outras pessoas, e mesmo consumar essa atração. Muito pelo contrário, melhor isso do que ficar pensando em outra estando com ela. Mas ele estava consumando a atração (como um coelho, pela quantidade de desculpas na última semana) E pensando na outra enquanto estava com ela. ISSO era inadmissível. Assim Laura não teve a oportunidade de ver que mesmo que ele tivesse permanecido igual em casa, saber que ele havia tido alguma coisa com outra a teria magoado profundamente. E pôde continuar com seu discurso liberal.

Pôde até se redimir da culpa que sentia pela atração por Rodolfo, mas que provavelmente não assumia nem para si mesma como culpa. Afinal, era uma liberal, ora. Quase uma libertina em sua relação monogâmica com proposta de durar para sempre.
Escritório. Trabalham. Certo. Conversam um pouco também. Certo. Conversam bastante também. O importante é entregar no prazo, dizem. E dizem mais coisas também. Dizem tudo. Tudo? Ok, não tudo. Não é bom dizer tudo, dizem. Um dia ele chora no ombro, sem dizer muita coisa. Às vezes é bom não dizer muita coisa. E ela sente um pouco de ciúmes e um pouco de raiva (qual dos dois mais?) de quem o fez chorar. Parecia choro de amor não correspondido. E ela pensou que gostaria de tê-lo encontrado em outro momento, e ter feito ele feliz. Em outro dia ela quer chorar no ombro dele. Ou quer querer chorar no ombro dele, mas se sente tão bem que esquece do que a faria chorar. E conversam mais um pouco.

Tomam um chope. Um chope, nesse caso, quer dizer três. Talvez quatro. E ela finge que é blasé (provavelmente acreditando que seja) e diz assim, meio blasé, que já sentiu uma atração por ele. Ele leva um susto, diz que também já sentiu uma atração por ela. E ela não sabe porque disse isso, e nem porque ficou tão decepcionada com isso dito assim, de uma maneira tão blasé, e usando o pretérito perfeito. E eles ali, tomando um chope.

E ela, que sempre se sentiu tão à vontade com ele, está um pouco sem-graça. Será que dava pra perceber? Que ela mexia no cabelo um pouco nervosa e pensava “Droga! Será que ele reparou que eu mexi no cabelo um pouco nervosa?” e ria, um pouco nervosa. Será que tentam ser maduros? Certo. Sem problema. É possível manter a amizade, a relação de carinho, de coleguismo. Certo? Talvez fosse mais fácil se a vontade de beijar ele não aumentasse em uma progressão geométrica, enquanto diminuía a vontade de beijar Henrique. E uma expectativa, uma culpa, uma preocupação com ela, com ele, com Henrique, com o futuro, com o presente, com a amizade. Pensou que gostaria de ser leve. Seria bom ser leve.

E Rodolfo? Não sabia se queria para ele um envolvimento com uma mulher casada, complicada, que não conseguia ser leve... E. Ah. Droga. Pensou que gostaria de tê-lo conhecido em outro momento. E se torturava, e continuou se torturando até momento em que, não sabe bem como, eles se beijaram. Deviam estar conversando. Difícil dizer. Só sabe a boca dele estava se mexendo. Provavelmente dizia algo interessante, ele sempre dizia algo interessante. Provavelmente não tão interessante quanto a boca, mas ainda assim, interessante. E seu coração batia forte de um jeito que doía um pouco.

Sim, mas... E Rodolfo? O que se pode dizer é que Rodolfo descobriu que quando se aproxima dessa forma do que se quer tanto que só o querer já é uma felicidade, seu coração não bate desenfreadamente e escapa pela boca. Seu coração pára. Por um instante que não se sabe ao certo quanto durou (mas que certamente não foi o suficiente) tudo faz sentido. Até a filosofia.

Ou será que nada faz sentido além daquele momento? Algo por aí.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Do tempo, da sorte, e de outros deuses do amor

Uma pessoa quis primeiro. A outra só quis depois. Ou a outra só percebeu depois. Ou a outra só assumiu depois. Ou a outra só declarou depois.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo. Só que uma demorou a vir. Uma hesitou em demonstrar. Ou demonstrou mas demorou a se acertar. Ou se acertou mas a outra precisou ajudar.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo uma à outra. De intensidade assim: dois corpos juntos transbordando juntos e chorando juntos se escondendo juntos se mostrando aos poucos e na junteza descobrindo que podiam mais juntos, que se reconheciam mais juntos, cada um a si e um ao outro.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo e descobriram que quando o mesmo tempo era um só, não eram mais duas pessoas.

Duas pessoas queriam ao mesmo tempo e não perceberam que quando o mesmo tempo era mais que um, e sabe-se lá quantos, eram somente duas pessoas. E as duas pessoas que eram quando os tempos não se encontravam se desencontravam ainda mais do que quando não queriam ao mesmo tempo. E sentiram, sem conseguirem se aperceber, que o desencontro de uma ia ferindo a outra. Que sempre uma das duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo sangrava uma dor que só podia ser curada quando os tempos voltavam a ser um só.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo foram vivendo uma vida de abrir a carne uma da outra, deixar em brasa e fazer sangrar. Tendo que a cada noite juntar os tempos para lamberem-se as dores, curarem-se as mágoas e choraram-se os prantos de transbordamento que limpavam aqueles de dor.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo não sabiam que não dependia só delas juntar o tempo. Que o Tempo tem sua própria vontade, e que a vontade do Tempo pode ser muito mais forte que a de duas pessoas que se querem ao mesmo tempo, principalmente quando elas eram somente duas pessoas.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo não conseguiram parar de se machucar, e conseguiam cada vez menos juntar os tempos, fundir os corpos, e os tambores entraram em descompasso. E o ritmo dos tambores trocados foi confundido com o dos corações, não demorando para que as pessoas que se queriam ao mesmo tempo não conseguissem nem sentir a batida que bate igual nos corações de quem quer ao mesmo tempo.

Duas pessoas que se queriam ao mesmo tempo não viam mais a sorte que era encontrar uma à outra. E a Sorte, magoada, também passou a jogar contra. E as duas pessoas que queriam ao mesmo tempo poderiam jurar que os obstáculos que o Tempo e a Sorte colocavam no caminho de ambas era culpa da outra. E logo o caminho único das duas se tornou dois só. Tão só.

E os caminhos só das duas pessoas que haviam se querido ao mesmo tempo teimavam em se esbarrar, porque caminho só também tem suas vontades, e a vontade deles era se juntar de novo (na sabedoria daqueles que têm muita vontade e nenhuma razão). Só que as duas pessoas não conseguiam usar o esbarrão pra juntar os caminhos, na dor sentida e cheia de razão de cada uma das duas pessoas que deixaram de ser uma só e eram agora muito menos da metade do que foram.

E nesse só de só de caminho sozinho de cada uma, só restava oferendar à Sorte e ao Tempo, que também já haviam sido, noutros tempos de mais sorte, dois que eram um.